Em 1984, a delegação de atletas convocados para representar o Brasil na Paralimpíada de Nova York estava com tudo pronto para embarcar, só faltava um detalhe: uma das passagens de avião. A dois dias da viagem, o grupo de sete atletas cegos que ia para a competição só tinha conseguido seis passagens e teria que cortar um integrante da delegação.
“Definimos que se essa última passagem não fosse adquirida, deveríamos cortar uma pessoa, que seria a única menina da equipe. Em princípio, se achava que essa garota teria menos condições de alcançar resultados. Porém, essa última passagem foi conseguida em cima da hora, e a equipe foi completa”, conta o ex-atleta Mário Sérgio Fontes.
Por ironia, a menina que seria cortada era Anelise Hermany, que foi a única do grupo de deficientes visuais que voltou para o Brasil com medalhas: duas de prata e uma de bronze. Naquele ano, Márcia Malsar, também do atletismo, que tem paralisia cerebral, ganhou três medalhas – uma de ouro, uma de prata e uma de bronze.
A história contada por Fontes, um dos pioneiros do esporte para cegos no Brasil, reflete bem como era o esporte para deficientes no país há algumas décadas. A falta de financiamentos e de patrocínios dificultava o treinamento e a participação em torneios e disputas internacionais. Os atletas mais antigos contam que não havia exatamente um patrocínio para suas atividades, mas ajudas esporádicas, conquistadas de forma individual.
“Não tínhamos nenhuma condição financeira de ficar em hotéis para treinamento, nossa estrutura era totalmente empírica porém, com absoluta certeza, era feita com amor, com vontade, com dedicação de todos aqueles que militavam, porque ninguém fazia sequer pensando em ganhar dinheiro. Hoje, qualquer atleta de ponta está patrocinado, ou por patrocínios individuais ou governamental, mas tem como obter recursos de algum lugar. No nosso tempo, só sonhávamos com isso”, diz Fontes, que é deficiente visual e também participou da Paralimpíada de Seul (1988).
Em 1984 foi a única vez que os Jogos Paralímpicos foram realizados em dois lugares diferentes. As competições para cadeirantes ocorreram em Stoke Mandeville, na Inglaterra, e as provas para deficientes visuais, amputados e com paralisia cerebral foram realizadas em Nova York, nos Estados Unidos. Esse também foi o último ano em que a Paralimpíada ocorreu em lugares diferentes da Olimpíada. A partir de 1988, em Seul, os dois eventos sempre aconteceram na mesma cidade.
A atleta Ádria Santos, que participou de seis paralimpíadas entre 1988 e 2008, conta que só começou a receber apoio financeiro para a prática do esporte depois de ter participado de três competições. A ganhadora de 13 medalhas paralímpicas no atletismo (4 ouros, 8 pratas e 1 bronze) diz que, no início, treinava com tênis de futebol de salão e em pistas de carvão. “A gente tinha que fazer projetos para conseguir ajuda de pessoas conhecidas para apoiar as viagens, os lanches dos atletas”, diz a medalhista, que é cega.
Mesmo quando conseguiam ir à Paralimpíada, as condições enfrentadas pelos atletas não eram as ideais. “Em Seul, a gente teve uniforme, mas não era como hoje, com o tamanho certo e de marcas conhecidas. Naquela época, os uniformes eram feitos e muitos ficavam pequenos, curtos, e tinha que usar, porque era só aquilo que tinha”, conta Ádria.