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Artigo: Aconteceu em Rubineia e na Vila Oriente, em Aparecida do Taboado, quase 50 anos atrás

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Carlos Drummond de Andrade, o grande poeta mineiro, soube um dia que o município paulista de Rubineia iria submergir e desaparecer completamente debaixo das águas do rio Paraná. Isso foi no começo da década de 1970.

Contaram-lhe que uma usina hidrelétrica estava em construção em Ilha Solteira (SP) e que o represamento do rio provocaria o alagamento de Rubineia, que contava sete mil habitantes. O poeta ficou admirado ao saber que as ruas da cidade ostentavam nomes de escritores brasileiros, inclusive uma em homenagem a ele próprio – a rua Carlos Drummond de Andrade. Aquilo pareceu-lhe prova definitiva de que Rubineia era uma “cidade civilizadíssima, pois quando tinha de dar nome a ruas, não fazia por menos: batizava- se de Machado de Assis, Manuel Bandeira, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Mario de Andrade, Graciliano Ramos”.

Sabendo disso, o poeta não ficou indiferente e tentou mudar o curso dos acontecimentos para salvar a cidade da inundação. Resolveu então escrever dois textos – uma crônica e um poema – ambos abertamente contrários à instalação da usina, e fê-los publicar na sua coluna do Jornal do Brasil. O título do poema, de 1973, é “Os submersos” e começa assim, com um verso sarcástico e inquisitivo:

“Poetas amigos que eram
placa de rua em Rubineia:
que tal a vida aí embaixo do lago?”

Não se tratava de um protesto qualquer. Era a voz do maior poeta brasileiro que se erguia em defesa daquele pequeno município paulista prestes a desaparecer para sempre, cujos habitantes seriam desapropriados e deslocados de seus lares por força da lei do progresso. Mas, como sabemos, nem o protesto do poeta, nem a oposição do próprio prefeito de Rubineia, o senhor Osmar Novaes, foram capazes de demover as autoridades paulistas daquela iniciativa da usina. E não surpreende: os políticos paulistas sequer tomaram conhecimento do poema de Drummond, porque raros liam – e leem – jornais, e os que leram ou deram de ombros ou foram vencidos pelos argumentos da necessidade de progresso a qualquer preço. Afinal, o país precisava de energia elétrica para a indústria em rápida expansão. E assim, apesar das mobilizações contrárias, a construção da usina prosseguiu.

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Só que houve aqueles que pagaram o pato e a fatura do progresso não tardou a chegar. Em julho de 1973, as obras da usina de Ilha Solteira foram enfim concluídas e inauguradas pela Companhia Energética de São Paulo. Com as comportas da usina fechadas, o rio Paraná, que tinha cerca de 800 metros de largura na altura do Porto Taboado, alargou-se e expandiu-se, deixando debaixo d´água não apenas aquele porto histórico que marca a origem de Aparecida do Taboado, como também tudo o mais que se encontrava em suas barrancas. Como previsto, Rubineia, com suas salas de cinema, bares e ruas literárias, também foi varrida do mapa e precisou ser reconstruída praticamente do nada em outro lugar por seus sete mil habitantes perplexos. O que sobraram das suas antigas construções, inclusive a velha estação ferroviária, pode hoje ser visto somente por mergulhadores curiosos.

Mas os danos provocados pelo represamento do rio não se limitaram, claro, àqueles que arruinaram a velha Rubineia. No município de Aparecida do Taboado, do lado direito da barranca do rio, duas vilas foram também engolidas totalmente pela subida do rio – as vilas Oriente e Ilha Grande. Pouco se sabe sobre o que foi um dia a vida na vila da Ilha Grande – quantos moradores lá viveram, que tipo de vida levavam (um trabalho para pesquisadores ainda realizar). A respeito da Vila Oriente, relatos dão conta que, antes da inauguração da usina, moravam nela centenas de pessoas, quase um milhar, e havia uma igreja, uma escola primária, farmácia, bares e mercadinhos. Fazia-se lá uma boa roça de arroz, feijão e milho, porque a terra era muito fértil nas proximidades do rio. Até um time de futebol – uma equipe dura de bater – a vila possuía. Como se vê, era um lugarejo com vida e dinamismo próprios.

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Mas o destino da vila, como de Rubineia, estava selado e ela viria a ser inundada para nunca mais. Só que a vila Oriente não desapareceu da noite para o dia. Seu desaparecimento ocorreu ao longo de um mês inteiro, naquele julho de 1973, e teve cenas dramáticas. É que as águas do rio subiram pouco a pouco e nem todos os moradores estavam convencidos que elas – as águas daquele rio que tudo regalava – podiam avançar um, dois, três quilômetros terra adentro, como diziam, e alcançar suas casas. Pois avançaram. Mas, embora devidamente avisados, dezenas de moradores relutaram em deixar suas casas e lá permaneceram apesar dos avisos. Ora, como poderiam abandonar de repente o lugar onde viveram por tantos anos? As pessoas costumam ser leais à terra onde nascem e morrem.

E foi num dia fatídico daquele mês que as comportas da usina foram enfim fechadas, as águas começaram a subir implacáveis e pelo caminho arrasaram tudo. Houve desespero e correria na vila. Durante uma madrugada, os moradores remanescentes, aquelas que resistiam a deixar a vila, foram acordados e surpreendidos com as águas do rio entrando por suas casas e, ajudados por parentes e amigos, trataram de salvar o que era possível com águas até os joelhos. Móveis e utensílios domésticos eram carregados nos ombros e passados de mãos e mãos e até o velho madeiramento das casas as pessoas tentavam levar com elas. Pouco tempo depois, a vila Oriente ficaria completamente debaixo do rio e seus escombros lá permanecem submersos até hoje. Pouco ou quase nada se falou dela desde então – de sua igreja, da escola primária que lá alfabetizava crianças, do seu orgulhoso time de futebol, do destino de seus moradores anônimos. Era uma página virada da história.

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A velha Rubineia, no auge do seu drama, pôde ao menos contar com a voz de resistência do maior poeta brasileiro que, de longe, se sensibilizou pelo seu destino desastroso e protestou contra ele. Ninguém sequer lutou pela vila Oriente, exceto talvez um ou outro morador indignado. Ainda hoje, quase cinquenta anos desde seu desaparecimento, aquela humilde vila permanece submersa no esquecimento quase geral, sem um poema que lhe recorde as dores e as alegrias de outrora, como se não fizesse parte da história de Aparecida do Taboado, viva apenas na memória de alguns poucos que nela moraram ou que dela ouviram falar.

Para ver as fotos clique aqui.

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Marcos Vinícios Vieira, de Aparecida do Taboado, é diplomata de carreira

 

 

 

 

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