A morte da cantora Marília Mendonça em trágico acidente de avião na última sexta abalou o meio artístico e comoveu fãs em todo o país. A cobertura jornalística tem sido intensa e até jornais estrangeiros, como o The New York Times, noticiou a tragédia que cobrou a vida de uma jovem artista de 26 anos no auge da fama. Não víamos repercussão semelhante e comoção tão intensa talvez desde a morte da banda Mamonas Assassinas, também em trágico acidente de avião, em março de 1996.
Como não podia deixar de ser, as homenagens a Marília Mendonça multiplicaram-se no último final de semana e ocuparam as principais manchetes do país. Muitos jornais lembraram, em tributo à cantora, o conteúdo progressista das músicas que cantava, muitas delas a defender o desejo de emancipação feminina em face de uma cultura machista, inclusive e principalmente na própria música sertaneja na qual ela se sobressaiu.
De fato, muitos reconhecem que a música sertaneja jamais constituiu um meio artístico de fácil entrada e aceitação para as mulheres. Embora as primeiras cantoras sertanejas com algum sucesso comercial já houvessem despontado, quase solitárias, na década de 60 – Irmãs Galvão, Inezita Barroso e Nalva Aguiar – as mulheres só viriam a afirmar-se naquele gênero musical mais recentemente, no final da década de 1980, com a emergência, entre outras, de Roberta Miranda e Jayne.
As vozes de uma dupla de Aparecida do Taboado, as irmãs Rosimar e Rosicler, embora hoje quase esquecidas, também ajudaram a romper o monopólio masculino quase absoluto sobre o sertanejo. Quem lê, na internet, a modesta página do Wikipedia sobre as cantoras aparecidenses fica com a equivocada impressão sobre a real importância delas na história da música. Na verdade, qualquer genealogia sobre o avanço das mulheres nesse gênero deve necessariamente incluir o primeiro álbum delas de 1985, pela gravadora Chantecler, numa cronologia que chega, até os nossos dias, na figura celebrada de Marília Mendonça. Não deve ter sido fácil, para Rosimar e Rosicler – então ainda duas meninas – tentar a sorte com seu talento e carisma num universo dominado por linguagens e códigos alheios à sensibilidade feminina.
O estouro da dupla aconteceria em 1988, quando elas ousaram cantar uma versão própria de música de sucesso internacional da cantora Cindy Lauper. A música (“Ame quem te quer”), interpretada com letra própria, completamente diferente da versão original de Lauper, conquistou o público e firmou Rosimar e Rosiclair no circuito nacional. Seria interessante saber, aliás, se a dupla, que mora em Aparecida do Taboado, se surpreendeu então com a amplo sucesso que a música alcançou. O vídeo de “Ame quem te quer” no youtube, com quase 100 mil visualizações, mostra como nas duas o talento vocal se somava a um tocante carisma pessoal. Logo no começo da canção, ambas cantam uma estrofe doce e melancólica, que quase parece implorar aos fãs que não as esqueçam jamais:
“se você me deixar,
meu coração vai parar
e eu vou morrer”.
Neste final de semana, o país todo comovido prestou tributo ao talento de Marília Mendonça. A ocasião talvez seja oportuna para também homenagear as demais cantoras sertanejas – muitas delas hoje esquecidas – que abriram um caminho difícil num meio cultural que hoje sabe reconhecer e valorizar o talento feminino. E nessas homenagens, claro, não podem faltar os nomes de Rosimar e Rosicler.
Marcos Vinicios de Araujo Vieira é de Aparecida do Taboado