Mobilizados desde o ano passado, os estudantes secundaristas de São Paulo não se posicionaram em relação aos pedidos de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Diferentemente do que têm feito movimentos sociais, organizações empresariais, intelectuais e grupos políticos, os jovens que participaram das ocupações das escolas em 2015 não demonstraram apoio nem à permanência do governo, nem à sua destituição. Os alunos da rede pública, no entanto, seguem se manifestando nas últimas semanas contra o fechamento de salas de aula e as denúncias de corrupção envolvendo os contratos da merenda no estado.
Os adolescentes, de modo geral, são minoria nos protestos contra e a favor do impeachment que ocorreram na Avenida Paulista. Segundo o instituto Datafolha, a idade média dos participantes do ato contra o governo no dia 13 de março era 45,5 anos. Apenas 4% dos manifestantes naquele dia tinham entre 12 e 20 anos. Na manifestação do dia 18, pela manutenção de Dilma no cargo, o índice de jovens com essa faixa etária era 9%, de acordo com o instituto. Na ocasião, o Datafolha estimou que a idade média dos participantes era 39,9 anos. O Censo de 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que 16% da população do estado de São Paulo têm entre 10 e 19 anos.
Democracia direta
Em relação ao cenário político atual, as opiniões dos estudantes que estão participando dos protestos são variadas. No entanto, os jovens que se manifestam contra a corrupção da merenda e o fechamento de classes têm a avaliação comum de que querem mais oportunidades para participar das decisões do Poder Público.
“Eu acho que o poder tem que vir do povo, ele não é de ninguém.A democracia tem que ser direta e mais organizada [envolvendo a sociedade civil]”, defende Luana Nardi, de 16 anos. A jovem participou, no ano passado, da ocupação da Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, zona oeste paulistana. O estabelecimento foi um dos primeiros a ser tomado pelos alunos na mobilização contra a reorganização escolar proposta pelo governo estadual, que envolveria o fechamento de 93 escolas.
A organização do movimento dos secundaristas é horizontal, sem líderes oficiais e com as decisões tomadas em conjunto. Para Luana, a mobilização dos estudantes foi uma oportunidade para que ela se manifestasse por problemas que já a incomodavam. “Na verdade, eu já tinha [a preocupação], mas não via nenhuma movimentação. Aí percebi que mais pessoas tinham essa percepção, tinham vontade de fazer diferente. A gente juntou todo mundo e fez”, conta sobre o processo que levou o governo a suspender a reorganização escolar.
Sobre a questão do impeachment, a estudante diz que não se sente confortável para apoiar o governo, mas também não concorda com a movimentação pela destituição. “Na minha opinião, são uma direita e uma esquerda que não dá para defender. Então, todo mundo aqui está meio perdido, eu acho. Na minha opinião, tem que haver uma reforma política”, comentou. “No Brasil, virou isso, a gente não vota no candidato que a gente quer, vota contra”, acrescentou.
Os argumentos contra a corrupção são usados, na opinião de Luana, de forma seletiva pelos defensores da saída de Dilma. “É uma coisa meio absurda. Porque os dois são contra a corrupção. Só que um é contra tal partido e o outro não. Virou guerra. Não é mais contra a corrupção em si. Senão estava todo mundo junto”, observou.
As preocupações da jovem, entretanto, vão além do partido que ocupará a Presidência. “Eu vejo um cenário bem conturbado e fico com muito medo do que possa acontecer. A lei antiterrorismo já foi assinada, querendo criminalizar as manifestações de rua. Então, a gente tem um problema. Porque em ato pró-impeachment eles podem ficar dias [ocupando a Avenida Paulista], sem avisar nada, no máximo vai vir água para eles. A gente fica na rua dez minutos e vem bomba de gás”, disse sobre uma possível criminalização dos movimentos sociais.
A partir da experiência da ocupação das escolas, Luana também passou a desconfiar dos meios de comunicação. “Teve uma reportagem, que nunca vou esquecer, que era a porta de uma ocupação e tinha umas garrafas [de bebida alcóolica]. Aí chamaram de baderneiros. Mas as garrafas não eram dos ocupantes, eram da rua. Tudo que a gente deixava passar se virava contra a gente, até o que não tínhamos feito”, conta.
Com isso, a estudante passou a ser mais criteriosa ao consumir informação. “Eu vou lendo várias coisas, para ir filtrando todas as informações e vendo o que acho real”, comenta.
Demandas concretas
“Não é só tirar os corruptos e entrar outros no lugar. É uma coisa estrutural”, diz Cauê Borges (17 anos), aluno da Escola Técnica de São Paulo (Etesp). “Por isso que a gente está mostrando que a luta é na rua, não é entrando no meio do Estado e tentando mudar por dentro”, diz ao mostrar desconfiança em relação aos atores políticos e institucionais.
“Há muita diferença entre as manifestações que a Fiesp, a Globo e o PT estão promovendo?”, questiona Cauê. “Os projetos são muito parecidos. O que a gente está colocando aqui é que há coisas concretas pelas quais a gente tem que lutar, não por democracia ou contra a corrupção. Tem a luta salarial, por mais escolas e por uma educação libertadora. São coisas concretas”, ressalta.
O jovem reconhece, entretanto, que muitos estudantes acabam se identificando com um lado ou outro, apesar de o movimento secundarista não ter se aproximado de nenhum dos grupos. “É muito difuso na escola”, afirma ele sobre a opinião dos estudantes. “Quem não é contra a corrupção? Quem não é a favor da democracia? São valores morais em que é muito fácil [atrair as pessoas]. O que estiver mais próximo de você, você vai. Mas não é nada concreto”.
A questão do impeachment tem, na opinião de Cauê, motivações econômicas. “Há uma motivação econômica clara nisso. A crise bateu nos empresários e até no bolso do trabalhador. Isso gera movimentação e revolta”.
Pela democracia
Entre os jovens que aderiram às manifestações favoráveis ao governo está Lilith Cristina Moreira (15 anos). “Fui a dois atos em favor da democracia, porque acho que essa luta é de todo mundo que não quer o golpe”, justificou a aluna da Escola Estadual Maria José, que fica no bairro Bela Vista, região central da capital paulista. “Quem não está na rua pela democracia devia ter ocupado escolas junto com a gente e ter estudado um pouco mais de história do Brasil”, afirmou.
Apesar de ser contra a saída da presidenta Dilma Rousseff, a jovem diz que não está totalmente satisfeita com a atuação do governo. “Eu tenho várias críticas ao governo federal, mas acho que no momento a gente deveria lutar por uma reforma política, não por impeachment, por uma coisa antidemocrática”.
Entre as críticas que Lilith faz ao governo está a falta de uma posição firme sobre as demandas dos estudantes. “Ela [a presidenta] deveria se posicionar mais em alguns aspectos. Quando a gente ocupou as escolas, ela só se posicionou dois meses depois. Tá virando uma luta nacional. Houve ocupações no Rio de Janeiro, em Goiás e em Minas Gerais, e ela não se posicionou ainda sobre essa luta”, reclamou.
Sobre as propostas que gostaria de ver em uma reforma do sistema político, a jovem defendeu instrumentos que aproximem a legislação das demandas da sociedade. “Eu queria a nossa participação, dos jovens, no direito, nas leis. Está faltando isso, escutarem a gente”.