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Antigamente, a Caiapônia

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No quinto artigo da série histórica sobre o Taboado, são apresentadas algumas das características da nossa região na época da fundação do porto, no final da década de 1830. O último artigo pode ser lido aqui.

Atualmente Costa Leste e Vale do Aporé são duas regiões turísticas do Mato Grosso do Sul. A Costa Leste compreende os municípios de Anaurilândia, Aparecida do Taboado, Bataguassu, Brasilândia, Santa Rita do Pardo, Selvíria e Três Lagoas. O Vale do Aporé, por sua vez, é integrado pelas cidades de Água Clara, Cassilândia, Chapadão do Sul, Inocência e Paranaíba.

Essa divisão geográfica é recente e tem por finalidade principal a destinação de recursos públicos para o turismo. Anteriormente, a maioria dos municípios daquelas duas regiões formava o Bolsão do Mato Grosso do Sul, cuja geografia coincidia com a jurisdição eclesial da diocese de Três Lagoas. Nem sempre foi assim, porém.

A região leste do Mato Grosso do Sul teve vários nomes ao longo da história. No século XVIII, antes da independência do país, era denominada em documentos e crônicas como Caiapônia – ou “Sertão do Gentio Cayapo”. A denominação remetia à comunidade de nativos da região, os caiapós. Essa etnia, deslocada há muito tempo do leste do Mato Grosso do Sul, concentra-se hoje em dia principalmente na região amazônica, sendo Raoni a liderança caiapó mais conhecida por sua luta pela preservação ambiental.

Hércules Florence, um pesquisador francês que, no século XIX, percorreu o Mato Grosso pela rota das monções partindo do Tietê, registrou que a Caiapônia se constituía de “dilatado território de cem léguas (…) entre o Paraná, o rio Pardo e a grande estrada de São Paulo e Goiás”. Tratava-se de vasto território que, na atual cartografia, compreende parcelas dos atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas e Goiás. Relatório da província de Mato Grosso de 1847 informava viver os caiapós que habitavam a região da “caça, pesca e de frutos da terra, dão-se à cultura do milho, do arroz, da mandioca, batata, cana, e fabricam rapadura, criam porcos, aves e mesmo algum gado vacum e cavalar”.

A ocupação da Caiapônia por posseiros provenientes de outras províncias teve impacto direto sobre a comunidade indígena. Em meados do século XIX, após a migração das primeiras famílias oriundas de Minas, o sul do Mato Grosso passou a ser conhecido como “sertão dos Garcias”, uma mudança de nome que refletia a nova realidade de poder na região. O nome – sertão dos Garcias – aparece, por exemplo, na literatura do visconde de Taunay e tem ligação com a família de José Garcia Leal, o primeiro chefe político de Santana do Paranaíba, povoamento fundado no final da década de 1820. A família Garcia Leal, além de exercer liderança política local, tomou como propriedade sua a maior parte do território da região. O verbo que se usava à época para descrever a posse da terra era “afazendar-se”. A família Garcia Leal afazendou-se de extensões que incluíam até propriedades do atual município de Três Lagoas.

Os primeiros posseiros, vindos de Minas e São Paulo, mantiveram relação mista de colaboração e conflito com os caiapós. Alguns caiapós integraram, por exemplo, expedições do sertanista Joaquim Francisco Lopes pelo sul do Mato Grosso, conforme registrado em seu livro “Derrotas”. Em artigo da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, Mario Monteiro de Almeida observou que “os Garcias foram induzidos a organizar bandeiras de descobrimento de terras, a fazer posses e montar fazendas nas terras mato-grossenses de Sant’Anna pelas informações que lhes prestaram índios caiapós, descrevendo (…) a propriedade ali das terras de Mato Grosso, para exploração agrícola”.

Os contatos entre caiapós e colonizadores paulistas e mineiros foram frequentemente conflitivos, como registrado abundantemente pela historiografia recente. No século XVIII, os caiapós do Mato Grosso haviam sido alvo da atividade bandeirante para fins de tráfico, em sociedade escravista. No século seguinte, o governo de Mato Grosso chegou a patrocinar tentativas de catequização e aculturamento indígena, que resultaram na formação de alguns aldeamentos, inclusive em Santana do Paranaíba. A iniciativa não perdurou, contudo. Sob pressão constante da pecuária em expansão no sul do Mato Grosso, os caiapós foram forçados a deslocar-se para oeste, posteriormente desaparecendo por completo dos sertões dos Garcias, parte da antiga Caiapônia.

Na primeira metade do século XX, os sertões dos Garcias multiplicaram-se em vários distritos e deram origem à maioria dos municípios que formam o Bolsão sul mato-grossense e pertencem à diocese de Três Lagoas.

Antigamente, a Caiapônia

Marcos Vinicios de Araujo Vieira, de Aparecida do Taboado, é diplomata de carreira.

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