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Artigo: Um manifesto em favor de duas velhas senhoras desamparadas: a arte e a cultura

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Este é um artigo escrito a quatro mãos. Se ele inspirar os artistas locais a mobilizarem-se em benefício de suas vocações e as autoridades públicas a refletirem sobre a importância da cultura, os autores considerarão cumprida sua missão.

Aparecida do Taboado precisa, mais do que nunca, de uma política cultural. Todos sabemos que o setor cultural tem importância não somente para a criação de renda e emprego. Ele é importante também para a formação educacional, para a valorização das tradições locais e, inclusive, para a promoção do turismo. Nem sempre, porém, essa importância tem sido compreendida pelas autoridades públicas.

Antes da pandemia, os artistas e os profissionais do setor cultural do município estavam desamparados. Não havia apoio da prefeitura para o fomento de atividades culturais e criativas – como o artesanato e a cerâmica, o teatro, a dança, a música, a leitura, o cinema e a capoeira. A maioria das iniciativas culturais desenvolvidas na cidade resultou de esforços individuais e contou com recursos materiais extremamente limitados. Em resumo, a arte e a cultura em Aparecida do Taboado sobrevivem como podem, sem a atenção devida do poder público.

A emergência da pandemia chamou a atenção das autoridades públicas no mundo inteiro para a necessidade de amparar o setor cultural e criativo.  A Unesco alertou, em relatório publicado em dezembro passado, que esse setor foi atingido pela pandemia de maneira particularmente severa. Nos últimos meses, medidas de enfrentamento da Covid-19 levaram ao cancelamento de concertos musicais e ao fechamento de salas de cinema, de livrarias e de teatros na maioria dos países. Pesquisa da Associação Brasileira de Promotores de Eventos mostrou que o setor cultural no Brasil só deve retornar ao PIB de 2019 em 2022, com perda estimada de R$ 69,2 bilhões em 2020-2021 (queda de 18,2%). Mais de 80% das empresas do setor consultadas consideraram extremamente importante a abertura de editais públicos e a ampliação de patrocínios. 

A aprovação da lei Aldir Blanc foi, sem dúvida, um grande alívio para os trabalhadores do setor cultural, que viram suas fontes de receita minguarem em função das medidas de enfrentamento da Covid-19.  Em Aparecida do Taboado, 20 pessoas ligadas ao setor ainda não receberam o auxílio emergencial referente ao edital nº 098/2020, ainda em curso. Não podemos esquecer, porém, que essa lei representa medida emergencial e, como tal, deverá ser interrompida em algum momento no futuro próximo. Temos que pensar no futuro, portanto.  

A SITUAÇÃO DA CULTURA EM APARECIDA DO TABOADO
Lamentamos constatar que, atualmente, o setor cultural de Aparecida do Taboado mostra-se subdesenvolvido e anêmico. É verdade, porém, que ele tem enorme potencial de desenvolvimento, que somente poderá ser realizado por meio da implementação de política cultural conduzida pela Secretaria de Educação, Cultura e Turismo. Não há outro remédio: sem o apoio da prefeitura e das demais autoridades, as poucas atividades culturais na cidade correm sério risco de desaparecimento ou, na melhor das hipóteses, de permanecerem incipientes.

Embora desamparados, a maioria dos agentes culturais da cidade continua insistindo em desenvolver suas vocações. Podemos mencionar alguns deles. Na música, Maysa Mendes, Marcia Martins, Priscilla Cardoso, Igor Salles, Vocal Dreams. Na composição musical, Vicente Dias, Cipozinho, Leal Luz e José Nelson. No teatro, Moysés Chama e Conceição Mendonça. É longa a lista de músicos instrumentistas – tocadores de viola e violão, sanfoneiros e violonistas – que se mesclam entre atividades religiosas e eventos populares. A Cia de Dança Manoela Jasques permanece prestando serviços na cidade há mais de dez anos. Nas artes visuais, a premiada artista Alice Yura representa a cidade e o estado em grandes galerias. Na literatura, Wadna Salles e Glaucio Queiroz continuam a escrever poesias. Temos ainda a escola de música do Ronan Santos, a escola de capoeira do professor Ricardo, a popular folia de reis, conduzida pelo Senhor Naim Leonel, e a Banda Marcial, mantida pela Prefeitura.

O município conta ainda com estúdios de música, como os do Cleiton Rodrigues e Aucélio Martins, que atendem à demanda de gravações da região. Há quantidade expressiva de artesãos na cidade, sendo os mais conhecidos o senhor Eurico Pimenta (nas cerâmicas), o Artesanato Birer, a BMC brinquedos de madeira, além tantos outros que bordam, costuram e pintam no anonimato.

Vale ressaltar que as atividades culturais e artísticas têm elevado efeito multiplicar na economia local, pois demandam serviços diretos e indiretos de vários setores, como decoradores, sonoplastas (equipamentos de som), fotógrafos e maquiadores, para não mencionar os serviços na área de propaganda e mídias sociais.

Se há tantos agentes de culturais em Aparecida do Taboado, então por que o setor cultural permanece subdesenvolvido e anêmico? A resposta é simples: como a cidade não tem programação cultural consistente, patrocinada pelos setores público e privado, a maioria dos artistas locais precisa complementar renda com atividades diversas não-relacionadas com o setor cultural, o que lhes impedem de investir e inovar em suas vocações. Está evidente que o setor precisa de amparo, sem o qual ele patina e definha.

POSSÍVEIS LINHAS DE AÇÃO IMEDIATAS
No esforço de fomentar as atividades culturais do município, a prefeitura pode desempenhar papel fundamental, a começar pela criação de uma Diretoria de Cultura formada por gestores culturais com experiência. Essa Diretoria poderia formular uma programação cultural para o município, em coordenação com os artistas locais, bem como buscar fontes públicas e privadas de financiamento para ela. Também seriam medidas importantes o cadastramento público dos artistas locais (sim, não existe tal cadastramento) e a capacitação deles para a participação em editais públicos dos governos estadual e federal que financiem a realização de eventos na cidade.

O início da nova administração na cidade, com a recente posse do prefeito e dos vereadores, constitui o momento mais oportuno para refletirmos sobre esse tema com a seriedade que ele merece. Todos precisam participar.  Seria fundamental que a comunidade local de artistas se mobilizasse para apresentar à Secretaria de Educação, Cultura e Turismo subsídios que permitam a formulação de iniciativas públicas de fomento cultural. Os artistas locais precisam ser valorizados. Nessa missão, o apoio dos vereadores e da opinião pública em geral seria bem-vindo, como sempre.  

Conceição Mendonça é professora, atriz e artesã.
Marcos Vinicios de Araujo Vieira é diplomata de carreira.

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