Primeiro artigo: sobre as origens mais remotas de Aparecida do Taboado, Rubineia e Santa Fé do Sul
Era menino quando ouvi falar do Taboado pela primeira vez. Era início dos anos 90. Meu pai me disse com certa solenidade:
– Foi lá que tudo começou.
O Taboado havia sido um porto que operara nas barrancas do rio Paraná, entre Aparecida do Taboado e Rubineia, na divisa entre Mato Grosso do Sul e São Paulo. Através dele se transportava tudo que podia atender demandas paulistas – gente, tijolo, telha, madeira, boi. Deixara de funcionar em 1973, em consequência da formação da represa da hidrelétrica de Ilha Solteira (SP), situada a 50 quilômetros a jusante. Desde então, o local onde esteve instalado permanece submerso pelo rio.
O Taboado – prosseguiu meu pai – emprestou o nome ao município em que ele próprio e eu nascemos – Aparecida do Taboado – fundado no começo do século XX e emancipado no final da década de 1940.
Muitos, principalmente os mais velhos, ainda têm alguma memória preservada do porto, ainda que por vezes vaga ou confusa. Todos falam dele com afeto e nostalgia. Em arquivos pessoais, algumas poucas imagens de suas instalações toscas sobreviveram em esplêndidas fotografias em preto e branco.
O Taboado é raramente mencionado em livros históricos ou pesquisas acadêmicas. Quando aparece, quase sempre são menções laterais, sem perspectiva histórica. Geralmente as notas se limitam a informar sobre sua utilização por comitivas boiadeiras com destino a frigoríficos paulistas na primeira metade do século XX. Não se comenta, porém, o papel que desempenhou na história do povoamento do leste do Mato Grosso do Sul e do noroeste de São Paulo. Tampouco são indicadas suas origens ou as razões de sua fundação.
O Taboado foi fundado em 20 de julho de 1837, uma quinta-feira, dia de Santa Margarida e Santo Aurélio, quase dois séculos atrás. Sua fundação está documentada no livro “Derrotas”, de Joaquim Francisco Lopes, um sertanista de Piumbi (MG) que faleceu na Colônia Indígena de São Jerônimo (PR), em 1868. O livro registra, com detalhes fascinantes, as incursões empreendidas pelo sertanista mineiro nos anos de 1830 através dos territórios desconhecidos da então província do Mato Grosso.
Foi durante umas das incursões que Francisco Lopes, acompanhado de alguns camaradas, instalou o Taboado na barranca direita do rio Paraná, entre a Ilha Grande e o ribeirão de Santa Quitéria. A obra era encomenda do presidente da província de Mato Grosso, José Antonio Pimenta Buenos, futuro Marquês de São Vicente. Constituía parte de ambicioso projeto de integração das províncias de São Paulo e Mato Grosso, separadas por centenas de quilômetros, por meio de uma picada em mata fechada entre as vilas de Santana do Paranaíba (MT) e Araraquara (SP). Pimenta Bueno estava determinado a romper o isolamento em que se encontrava Cuiabá das demais vilas do país.
A instalação do porto foi o primeiro passo para a abertura da picada, cujo trecho até a região do Viradouro, nas proximidades dos atuais municípios paulistas de Meridiano e Tanabi, se concluiu em 1839. Contudo, a picada só se tornaria via de trânsito regular décadas depois, após o estabelecimento da Estrada Boiadeira do Taboado no final do século XIX, por iniciativa de outros sertanistas.
Sobre o Taboado, Francisco Lopes anotou no livro:
“ficou bem descampado de um e outro lado, muito bom porto, pouco corre até o meio – parte é parado a razão de ter uma praia de pedras que vem ao meio do rio por cima do porto (…) Advirto que não é muito largo o porto. Ouve-se bem conversas de um lado a outro”.
Sem saber, o sertanista fazia história. Quisera que o Taboado se chamasse porto de São José – homenagem à sua devoção que, no entanto, não pegou. Por que passou a ser chamado Taboado é algo que jamais foi devidamente esclarecido.
A fundação do porto representa o acontecimento mais antigo na história de Aparecida do Taboado, mas também da de Rubineia e Santa Fé do Sul. O primeiro loteamento no povoado de Aparecida do Taboado – então pertencente à vila de Santana do Paranaíba – só ocorreria nas primeiras décadas do século XX.
Tinha razão meu pai, portanto, tantos anos atrás, quando conversava com aquele menino que um dia fui:
realmente foi lá no Taboado, pelas mãos de um sertanista mineiro quase esquecido, que tudo começou.
Este é o primeiro artigo de uma série sobre o porto e a Estrada Boiadeira do Taboado, ainda em pesquisa. Relatos e fotografias sobre ambos serão bem-vindos, podendo ser encaminhados ao seguinte e-mail: [email protected]