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Voa, Raique, voa!

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Neste ano de 2021 da graça do Nosso Senhor, em meio às restrições impostas pela pandemia, artistas de Aparecida do Taboado souberam reinventar-se e, apesar das dificuldades, mantiveram atividades culturais apreciadas pelo público. Em janeiro, em celebração ao calendário religioso, a companhia “Embaixadores dos Reis Magos” apresentou-se virtualmente em programa realizado em parceria com a Rádio Cultura FM. Em junho, pudemos ver pela internet a peça de teatro “A cartista”, dirigida por Moyses Chama, escrita por Wadna Salles e interpretada pela atriz Conceição Mendonça. Em julho, a prefeitura realizou, com sucesso, a primeira edição do “Arraiá do Taboadão”, em live na qual vários cantores e instrumentistas puderam mostrar seus talentos. Neste mês de agosto, o professor Debson Picinin promete levar ao ar programa de podcast em seu canal do youtube para tratar de temas de interesse dos aparecidenses. A cena cultural, como se vê, está ficando dinâmica e precisa ser valorizada.

A última novidade foi o lançamento há um mês do curta-metragem “Voante: um rastro poético ou uma ode à imaginação”, do diretor Raique Moura, que contou com apoio da Lei Aldir Blanc. Raique Moura é de Aparecida do Taboado (MS) e mora atualmente em Dourados.

O curta, de menos de nove minutos de duração, vale a pena ser visto. Trata-se de uma representação dramática, interpretada por vários atores e inclusive pelo próprio diretor, que emprega várias linguagens artísticas para fazer-nos a refletir, neste momento de pandemia, sobre nossas angústias mais íntimas. Raique descreve seu trabalho como “um grito artístico nesse momento que atravessamos no mundo” e complementa, interpelando-nos: “Voante sou eu isolado, mas com minha imaginação em funcionamento. Como anda o isolamento social dentro de todos nós?”

Com imaginação de sobra, Raique responde-nos a essa pergunta sob a forma de uma ação dramática que se passa numa manhã de domingo, tendo por pano de fundo a paisagem em tom alaranjado do bioma do cerrado (as cores empregadas na película não parecem casuais). Logo no início da película, um narrador visivelmente angustiado reluta em levantar-se da cama “num dia útil mesmo que tudo pareça inútil”; em seguida confessa, durante o banho gelado, temer que tudo “se esvaia de repente” e sente seu coração “bater errado”. O narrador, cujo drama também é o nosso, está claramente atordoado e busca encontrar um caminho próprio – o destino, como diz, pouco importa. Seu temor maior, ele nos avisa, é “ficarmos mudos”, sem identidade própria, vivendo talvez – como a maioria vive – a base de clichês e lugares comuns fomentado pela propaganda.

Voa, Raique, voa!

A mensagem subjacente do narrador é clara e desconcertante: viva como lhe pareça melhor desde que sua vida seja autêntica e original. A certa altura, cita uma frase atribuída ao diretor norte-americano David Lynch, que compara ideias com peixes: “Se quiser pescar peixes pequenos, pode ficar na água rasa. Mas se quiser pescar o peixe grande, precisará ir mais fundo. No fundo, os peixes são mais poderosos e mais puros. São enormes e abstratos. E eles são muito bonitos”.

A referência a Lynch não é, aliás, de maneira alguma casual. Nota-se no curta de Raique a influência do célebre diretor nas mensagens de conteúdo existencialistas, como também na linguagem cinematográfica com elementos surrealistas que borram os limites entre a realidade e o sonho. A síntese dessas influências – arriscaria a dizer – se reflete principalmente em sequência de cenas em que, contra a paisagem agreste do cerrado, personagens usam máscaras estilizadas que expressam com tanta intensidade nossos sentimentos de angústia e melancolia que as palavras se tornam ao final quase redundantes.

O curta-metragem de Raique Moura, disponível no youtube, pode ser visto gratuitamente pelo link.

Voa, Raique, voa!

Marcos Vinicios Vieira, diplomata de carreira, é de Aparecida do Taboado

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