Duas cabecinhas e um corpo. O nascimento de gêmeas siamesas na tarde desta terça-feira, 25, desafia a equipe multidisciplinar do Hospital da Criança e Maternidade (HCM). O parto das irmãs foi realizado na Santa Casa de Fernandópolis e logo depois elas foram encaminhadas de ambulância para Rio Preto, devido à gravidade da situação. Estão internadas na UTI neonatal. Agora, médicos avaliam quais serão as medidas adotadas em relação às meninas, inclusive a possibilidade de cirurgia para separação. As bebês estão unidas pelo tórax e têm apenas dois braços e duas pernas, o que dificulta qualquer operação.
A mãe das meninas, de 21 anos, já tem um filho e sabia que as meninas nasceriam interligadas. Por ser de risco, a gestação estava sendo acompanhada pela equipe de alto risco do HCM. Na terça-feira, porém, a mulher sentiu-se mal e precisou ir com urgência à Santa Casa de Fernandópolis, onde vive. Não haveria tempo de trazer a jovem a Rio Preto, então o parto foi feito na Santa Casa em caráter emergencial. A família preferiu não se pronunciar sobre o assunto por enquanto e o HCM, respeitando o sigilo, não deu informações sobre o estado de saúde das duas nem sobre a quantidade de órgãos que possuem. Nesta quarta-feira, 26, a mãe recebeu alta hospitalar da Santa Casa de Fernandópolis.
Segundo informações da entidade, não era possível prever se as meninas sobreviveriam fora do útero. Ainda conforme a Santa Casa, o HCM informou que as meninas passam bem.
De acordo com José Luis Crivellin, diretor dos representantes credenciados da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo, não há nenhum fator que favoreça a gestação de gêmeos siameses – nem a falta de nutrientes no corpo da mãe nem a idade dos pais. A condição aparece quando o embrião de gêmeos se divide mais tardiamente. Só é possível quando a gravidez foi originada por um óvulo fecundado por dois espermatozoides – não ocorre quando dois óvulos foram fecundados por dois espermatozoides, que é a condição mais comum nas gestações gemelares.
O quadro pode ser apontado nas ultrassonografias e confirmado por ressonância. "O parto obrigatoriamente tem que ser cesárea, você não sabe como eles estão colados. Pode ser que tenha um corpo só, mas dentro todos os órgãos normais", afirma Crivellin.
De acordo com Jorge Haddad, presidente da divisão regional da Sociedade de Pediatria de São Paulo e coordenador da UTI infantil da Beneficência Portuguesa, gêmeos coligados (nome técnico para os siameses) são extremamente raros: um caso a cada 100 mil nascimentos.
Histórico
O prognóstico não é bom. Este é o quarto caso de gêmeos siameses que a Funfarme, que administra o HCM, trata. Em 2006, gêmeas nascidas em 2 de abril em Penápolis foram atendidas no Hospital de Base e morreram em três meses. Em 14 de março de 2008, irmãs nascidas no HB faleceram duas horas após o parto. Em 14 de março de 2014, o HCM fez o parto de gêmeas, que morreram no fim do mesmo mês. A condição é mais comum no sexo feminino. "Não se sabe direito o porquê, talvez por influência hormonal", afirma Haddad.
Em gestação de siameses, o parto tende a ser prematuro. "Por causa da malformação, normalmente é necessária a intervenção precoce", diz o pediatra.
Casos famosos no mundo
O caso mais recente de gêmeos siameses a ganhar repercussão no Brasil é o das irmãs Maria Ysabelle e Maria Ysadora, que foram completamente separadas em outubro de 2018, aos dois anos, após cinco cirurgias. Elas nasceram grudadas pela cabeça e vieram do Ceará para receber tratamento no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
O pediatra Jorge Haddad explica que em todos os casos são necessárias várias operações. Devido à raridade e à complexidade da malformação, não existe um protocolo definido – tudo varia conforme o quadro que cada dupla de irmãos apresenta. "São cirurgias extremamente demoradas e que requerem uma equipe multidisciplinar. É raro sobreviver, eles nascem com múltiplas malformações. Vão ter que fazer muitos estudos, vai ter que ser muito bem avaliado", pontua.
O caso mais conhecido de gêmeos coligados no mundo é o dos irmãos Chang e Eng. Filhos de pais chineses, nasceram em 1811 no Sião – daí o nome "siameses" – e depois foram para os Estados Unidos, onde se apresentavam em shows de variedades. Eram ligados pelo esterno. Chegaram a casar com duas mulheres e juntos tiveram 21 filhos. Eng morreu poucas horas após acordar e ver que o irmão estava morto.
Outro caso é dos Estados Unidos. Abigail e Brittany Hensel são ligadas pelo tórax. As irmãs nasceram em Minesota em 1990 e possuem dois braços e duas pernas – uma delas controla o lado direito do corpo, a outra o lado esquerdo. Elas possuem diplomas universitários e carteira de habilitação para dirigir, além de praticarem esportes. (MG)