Peço licença para falar de um assunto pelo qual sou apaixonado: árvores e plantas.
Mas antes permitam que eu me apresente. Sou aparecidense. Nasci e fui criado em Aparecida do Taboado. Só deixei a cidade em 2005 para estudar ciências biológicas na Unesp de Ilha Solteira e para fazer minha pós-graduação em Campinas, na Unicamp. Sou doutor em biologia vegetal e hoje moro em Ivaiporã (PR), onde estou a serviço do Instituto Água e Terra do Paraná, mas todo ano, de férias, visito meus pais e amigos que residem em Aparecida. Tenho orgulho das minhas raízes.
Desde criança, fui apaixonado pela vida, inclusive pelos animais e pelas plantas, cujo valor aprendi a apreciar. Ainda pequeno, vi que meus avós sitiantes, Antônio Dutra e dona Aurora, sempre respeitaram a natureza que os cercava. Foi com a minha avó que aprendi a cuidar das plantas e a observar a diversidade da natureza. Talvez por isso hoje sou botânico.
Observando a fauna e flora em Aparecida do Taboado, reparei que a cidade se desenvolveu numa região de riqueza natural extraordinária, no bioma do cerrado, mas quase completamente arruinada pelo desmatamento que avançou desde o início do povoamento da cidade. Sabemos que a abertura de espaço para a pecuária de corte e a indústria madeireira que floresceu na cidade na década de 1950 levaram à derrubada de grande parte da vegetação nativa – jacarandás, ipês, jatobás, aroeiras.
Não foi somente a flora nativa que perdemos nesse processo vertiginoso de devastação: muitos animais silvestres perderam também seu bioma natural. Sem os nativos pés de pequi, araticum, baru, graviola, gabiroba, goiaba, ingá, jenipapo, pitanga, murici, cajá-manga e gerivá, não há condições de sobrevivência para a maioria dos animais do cerrado. Essa é uma realidade que lamentamos, mas muito pode ser feito em prol da restauração do bioma do cerrado da região.
De fato, Aparecida do Taboado e as demais cidades do seu entorno precisam restaurar sua cobertura vegetal nativa, em linha com o que vêm fazendo outras cidades. O município pode avançar nessa agenda, com o apoio das autoridades, por meio da implementação de política de reflorestamento das propriedades rurais e arborização urbana. É preciso estimular, por meio de iniciativas do poder público, a implantação de espécies nativas, como ipês (branco, rosa, roxo e amarelo), acácia, jacarandá, pata-de-vaca, angico, pau-terra, cedro, copaíba e barbatimão.
São inúmeros os benefícios trazidos pela restauração da vegetação nativa devastada. Alguém já imaginou as três entradas da cidade com fileiras sombreadas e coloridas de ipês e jacarandás? Além do embelezamento urbano, a cobertura vegetal em praças públicas, em ruas e avenidas e nas calçadas privadas propiciariam a melhoria da umidade do ar, o sombreamento urbano e a proteção das instalações urbanas contra rajadas de vento. A cobertura vegetal também serve de abrigo para passarinhos e outros animais silvestres, ajuda a reduzir a poluição do ar e sonora, sem contar a melhora na infiltração da água das chuvas no solo (tão urgente e necessária em Aparecida do Taboado), garantindo o abastecimento do lençol freático para a disponibilidade de água potável.
É importante manter em mente, contudo, que não bastam o reflorestamento e a arborização da cidade. Políticas públicas complementares também seriam necessárias – como a educação ambiental nas escolas e o maior rigor no controle de desmatamento. Também é preciso assegurar que a restauração da vegetação nativa seja feita com o plantio de espécies nativas, seguindo plano de manejo municipal com técnicos capacitados e com experiência em botânica. Não cabe, portanto, improviso nessa área, pois o plantio e o manejo de árvores devem levar em conta as características do bioma local e das mudas plantadas.
No caso de Aparecida do Taboado, é recomendável seja implantado no município um viveiro municipal que produza espécies nativas em grande escala – projeto que poderia ser viabilizado em parceria com as escolas municipais. Eventual compra de mudas de viveiros de outras cidades seria opção cara e insustentável no longo prazo. Em caso de criação de viveiro público, as mudas seriam utilizadas pela prefeitura para a arborização das praças e vias públicas e poderiam ser doadas para a população interessada.
A arborização também tem a ver com praças públicas. Fiquei muito feliz ao ver que o projeto de revitalização das praças públicas de Aparecida do Taboado, de iniciativa do vereador Taturana, foi abraçado pelos vereadores e apoiado pela população. A iniciativa está no caminho certo. Permito recomendar seja avaliada a possibilidade de plantio de novas espécies do cerrado nas poucas praças da cidade e nos vários terrenos da prefeitura espalhados pela cidade e praticamente abandonados, que poderiam, com algum empenho, converter-se em bonitas praças nos bairros da Tia Chica, Félix, Cidade Nova, São João, Jardim das Flores, inclusive em frente ao cemitério. Poderia ainda ser avaliada a possibilidade de criação de bosques públicos em pelo menos dois lugares de beleza singular da cidade: o terreno da prefeitura no córrego do campo (praticamente abandonado) e o amplo espaço à beira do rio Paraná no balneário municipal. Esses dois espaços têm potencial extraordinário para abrigar a fauna e flora do cerrado sob o formato de um bonito bosque público, que poderia atender a população e fomentar o turismo.
Edson Junior Ferreira Stefani, doutor em biologia pela Unicamp, é botânico do Instituto Água e Terra do Paraná.